sexta-feira, dezembro 30, 2005

A Noiva Cadáver


“There’s been a grave misunderstanding”

Se o público cinéfilo se arrepiou e contorceu com a carnificina generalizada dos mitologicamente renovados zombies de George Romero, no mesmo ano pôde sossegar o medo de um pós-morte violento e sisudo (mas não o da existência de um além) com o registo de mais um fenómeno sideral no Universo bizarro de Tim Burton. Desta vez, volvidos cerca de 6 meses sobre a estreia de Charlie e a Fábrica de Chocolate, o cineasta, acompanhado de Mike Johnson, assina o mais recente filme de animação por stop-motion (técnica de filmagem fotograma a fotograma das mínimas alterações de cenários e bonecos envolvidos, necessitando-se geralmente de 24 fotografias destas para se gerar 1 segundo de filme), depois de ter inaugurado essa mesma técnica numa longa-metragem (O Estranho Mundo de Jack). Burton comete a proeza de projectar dois filmes num curto espaço de tempo ao delegar em Mike Johnson (especialista em animação) a realização de A Noiva Cadáver, enquanto dirigia as filmagens de Charlie e a Fábrica de Chocolate. Realizando um e supervisionando outro, tendo já delineado de um modo muito preciso (e criativo) a história, as personagens e o grafismo do segundo, Burton atinge o milagre da multiplicação.

Mas a aproximação à ubiquidade não lhe reserva, por si só, um lugar nas mais altas esferas. Burton, por se afirmar continuamente na sua individualidade, rejeitando enquadramentos mais gerais que ele próprio, precisa de nos convencer que ver as suas fitas (e vê-lo) será sempre um processo de descoberta de onde sairemos invariavelmente surpreendidos, mesmo que haja coerência com o passado. E se aqui retomamos as visões obscuramente românticas do amor de Eduardo Mãos de Tesoura e O Estranho Mundo de Jack, é justo notar que A Noiva Cadáver é, na verdade, um filme que foge ao negro. À oposição entre estar vivo e estar morto, Burton responde subvertendo os cânones tradicionais: a morte é bem mais viva do que a própria vida. Na cidade de Victor (Johnny Depp) e Victoria (Emily Watson) há uma felicidade monocromática, uma melancolia velada; nas profundezas onde repousa a Noiva Cadáver (Helena Bonham-Carter) o espectro expande-se e compreende todas as cores, criando uma quase constante folia de tal maneira que a fantasia, o folclore e o excesso se tornam um estado de alma (dos mortos). O destino (Burton) encarrega-se de misturar o imiscível, e a chave (Johnny Depp) abre a fechadura e o fim da razoabilidade nos dois mundos.

O frágil e desajeitado Victor mal suporta tanto reboliço. E, sendo uma personagem docemente ingénua (não serão assim outras personagens burtonianas?), vai-se encontrar dividido entre um mundo a que pertence pela memória e outro que o seduz pela vertigem da novidade. Embora sendo dilema suficiente para um homem só, terá ainda outro pela frente: ou a delicada e terrena Victoria ou um encantador e tragicamente poético cadáver em forma de noiva. Poder-se-á dizer que Victor inconscientemente optou por um compromisso morto-vivo (assim regresso aos zombies e a George Romero): aceitou o mundo dos mortos mas desposou a humana Victoria.

Título Original: The Corpse Bride
Realização: Tim Burton e Mike Johnson
Elenco (Vozes): Johnn Depp, Helena Bonham-Carter, Emily Watson, Christopher Lee, Richard E. Grant.
EUA, 2005

1 Comments:

Blogger Pedro Teixeira said...

Embora respeite a sua opinião, é preciso tentar enquadrar "O Planeta dos Macacos" na filmografia do realizador. Fora do contexto da sua obra o filme é, evidentemente, um disparate. Mas eu próprio não aprecio muito o dito filme. Obrigado pela visita.

10:08 da tarde  

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