segunda-feira, maio 15, 2006

Carícias Nocturnas, de Pedro Peixoto


Na Arte, como na física, interessa não só o vasto, o macrocosmos, o estudo do Universo, como o estudo do pormenor, do átomo. Assim, convém tanto conhecer o Punk-Rock, como ouvir com atenção "Basket Case", dos Greenday; convém tanto ter presente a função do surreal no Teatro de Samuel Beckett, como apreciar a circularidade do final de Endgame; é tão importante a obra de um autor, como apenas um dos seus poemas. Por isso mesmo, interessa também dissecar tudo isso.
"Carícias Nocturnas

Não sei o que o amanhã me reserva;
Mesmo se alguma réstia existe amanhã.
Na hora da minha desconfiança,
O desconsolo é absoluto...
Não quero saber o que o amanhã me guarda.
Sobre o silêncio do coração
Está a sempre inquieta mente...
Penso com sensações que se tornam palavras
Para, no fim do caminho,
Serem carícias...

Um embalo musical para os meus ouvidos –
Ou serão estes orifícios laterais olhos do som? –
Um estalido distante, uma faísca num instante,
Um interstício entre o som e a cor da luz,
Conforto maior para as longas horas de angústia...

Apenas algo menor e banal
Cumpre o desvio da mente concentrada,
Apenas algo subtil e táctil
Adia a redenção do ser no limite da consciência." Pedro Peixoto.

Pedro Peixoto é um poeta eminentemente racional. Em muitas passagens denota aquele pessimismo urbano, próprio de alguém a quem a consciência não deixa não pensar. Cada poema é um mundo, uma paisagem, uma demonstração de influências e culturas. "I know not what tomorrow will bring", diz Fernando Pessoa, no último poema a si atribuído. Eis como pretende Peixoto partir de Pessoa para chegar a Pessoa, ou a Álvaro de Campos. A um mundo distante, mas muito quotidiano, muito pessoano, onde reina o ambiente negro da certeza da desconfiança, do "desconsolo absoluto".
Note-se como se parte de uma atitude de dúvida ("Eu não sei o que o amanhã me reserva"), para a triste conclusão que a certeza encerra ("Não quero saber o que o amanhã me reserva"). É esta a essência deste poema. O poeta sabe que, por alguma réstia de esperança que amanhã ainda exista, o amanhã não lhe guarda nada de bom ou auspicioso. O resto é o que o urbano tem de maior. A capacidade de distrair. Tudo o que vem de noite, "nas longas noites de angústia", é menor, banal, táctil, instantes de cor e som. Mais a música, pedaço outro de tentativa de fuga a uma consciência que o não deixa.
Tudo isto numa tentativa desesperada de sair de uma inevitabilidade que só os sentidos conseguem atenuar. Tudo isto para uma pausa na concentração de uma mente que não pára. Tudo isto para explicar um título, Carícias Nocturnas. Carícias que a noite e os seus objectos e os seus sentidos fazem a quem sofre. Carícias que são nocturnas porque é na noite que surge a dúvida e a certeza do amanhã, porque é de noite que se ouve o silêncio do coração. Carícias nocturnas para adiar a redenção do ser no limite da consciência.