terça-feira, outubro 10, 2006

The Pillow Man (II)


Hoje quando releio a crítica que fiz à peça de teatro The Pillow Man http://criticaartistica.blogspot.com/2006/09/pillow-man.html fico com a clara sensação que é indubitavelmente escassa. Limitei-me a analisar a perfeição da forma. No entanto, a perfeição maior do espectáculo é a do conteúdo. Foi a viagem mais longínqua que eu percorri enquanto espectador de teatro.
O teatro foi me ensinado como uma viagem. Eu procuro percorre-la sempre que entro num auditório. Mas só na sexta-feira, quando assisti a O Assobio da Cobra me apercebi que fazia sempre esta viagem. Fez-me falta ser atirado para o escuro onde existe um árduo e entretido percurso para atingir a luz. Identicamente, foi depois de O Assobio da Cobra que descobri a extensão da distância percorrida em The Pillow Man.
O escuro em The Pillow Man é assustadoramente vasto. É primordial largar a nossa verdade para embarcarmos. E para começar a caminhar rumo à luz é preciso deambular muito. Stanislavsky defendeu a ideia de que o actor para desempenhar uma personagem definida por uma série de sentimentos/situações externas a si, terá que reflectir sobre as suas reacções a sentimentos/situações que tenha vivido, transportando-as por analogia, para as problemáticas da sua nova personagem. Martin McDonagh faz da tese de Stanislavsky a base para o seu texto e, exige que os espectadores façam uma analogia semelhante. A acção passa-se num regime totalitário. Eu (felizmente) sou suficientemente novo para nunca ter vivido em nenhum. Fisicamente desenrola-se num estabelecimento prisional. Eu (felizmente) nunca fui “convidado” a entrar num. A personagem principal escreve contos encantadores na forma e inquietantes no conteúdo dos quais não se quer desfazer. Eu (infelizmente) não tenho imaginação para tal. A personagem principal tem um irmão com um atraso mental. Eu (felizmente) não tenho qualquer familiar em situação similar. Alguém comete uma séria de crimes hediondos. Eu (felizmente) nunca fui possuído pelo diabo. Contudo, eu e as pessoas que padecem das mesmas limitações conseguimos, na plateia do Maria Matos, perceber o que é viver sem liberdade, ser acusado injustamente, ter um bem que não queremos destruído…
O corolário da escrita de McDonagh afirma-se na história aparentemente absurda mas que analogamente apela às sensações constantes da nossa vida.
À descrição anterior conjuga-se o primor da interpretação. Gonçalo Waddington domina a arte como um mestre com dezenas de anos de experiência. Adapta-se facilmente aos sentimentos impostos e expressa-os pela sua fisionomia de camaleão. Consegue dar-nos socos no estômago com a ternura de quem nos conta um conto infantil. Marco D’Almeida, personificando um irmão mais velho com um atraso mental que se traduz numa genuína infantilidade, transcende toda a inquietude que alimenta a história. E transcende a perfeição que terá exigido a si próprio.
Sabendo do risco que corro, declaro convictamente que The Pillow Man é quase de certeza a melhor peça de teatro de 2006. Parabéns ao Tiago Guedes (encenador) e ao Diogo Infante (Director Artístico de o Teatro Municipal Maria Matos).
Atenção! Dia 15 de Outubro de 2006 é a última oportunidade para não perderem o imperdível.

6 Comments:

Blogger not_alone said...

Realmente as possibilidades para dissecar The Pillow Man são intermináveis. Ao ler o teu texto fico com a sensação de que deixei algumas coisas por dizer na minha crítica. Simplesmente não é possível resumir tão penetrante obra num pequeno texto.

Bom trabalho e bom blog :)

9:45 da tarde  
Blogger Bastet said...

Pelo teu comentário no meu blog cheguei aqui e ainda bem que cheguei. The pillow man é de facto uma longa viagem da qual se sai cansado de tanta emoção mas sobretudo encantado.

8:53 da manhã  
Blogger Bastet said...

Já agora, saí mais cansada ainda de "transe". Saí com lágrimas nos olhos e as emoções voltearam tanto e por tanto tempo após o abandono da tela que não ousei escrever.

8:56 da manhã  
Blogger ChiCa said...

Gostei muito do blog! Parabéns!Muito bom!
Vou passar por aqui "muitas" mais vezes!

4:19 da tarde  
Blogger Pedro Teixeira said...

Cá para mim o Martin McDonagh teve uma infância extremamente aborrecida e, num acto de revolta para com o mundo, escreveu esta peça...

8:51 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

é pena q toda esta "oferta"
cultural só aconteça em lisboa...
bjs

5:11 da tarde  

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