sábado, novembro 18, 2006

The Departed

“I don’t want to be a product of my environment. I want my environment to be a product of me.”

Este é o melhor Scorsese. O da realidade. O que nos oferece histórias disfuncionais, dramaticamente reais, com o seu ritmo próprio (normalmente alucinante e frenético), cheio de gangsters, suspense e emoção. Filme de homens? Talvez. Scorsese assina com o seu The Departed, o retorno à aclamação critica e ao reconhecimento público em grande escala. Esta é uma entrada directa para a galeria de obrigatórios de Martin Scorsese.

Remake do filme de Hong Kong Internal Affairs, The Departed tem a sua sinopse mais que esgotada em todos os artigos e comentários. Ainda assim, resumamos. Jack Nicholson (alguém que explique a este homem que não é de bom tom fazer uma candidatura tão frontal ao Óscar) é Frank Costello, figura de proa da máfia de Bóston que um dia iniciou um rapaz nesse meio e fez dele um gangster, tratando-o como um filho. O “filho” é Matt Damon, no papel de Colin Sullivan, o infiltrado de Costello na Policia. Di Caprio é Billy Costigan, o aspirante a policia que se vê forçado, fruto do seu passado, a inflitrar-se no bando de Costello.

O grande mérito de Scorsese não passa tanto pela história, que aliás não é um original seu, mas sim pela forma como controla tudo. As coisas não vão acontecendo, ele faz as coisas acontecerem. Tudo parece premeditado. Nada na realização foi deixado ao acaso. Há uma vida neste filme para além do argumento. Há um ritmo. Há realidade. Há profundidade emocional na frivolidade de um gangster. É este aprofundar das realidades pessoais das personagens, bem demonstrada na personagem de uma psiquiatra, que revaloriza The Departed.

A psiquiatra (Vera Farmiga) é ainda um papel, acima de tudo, metafórico. A mulher que consegue chegar aos dois, nunca chegando realmente a nenhum, como a metáfora dos pontos de contacto entre um e o outro e, ao mesmo tempo, das suas distâncias. The Departed é, obviamente, um filme que se rege pela violência (nunca gratuita), pela agressividade e pela frenética perseguição de um infiltrado ao outro. Ainda bem. Só assim as cenas de maior aproximação psicológica (nomeadamente à dor e angustia da não identificação própria expressas em Di Caprio) não se tornam maçadoras, mas sim espaços para respirar.

Como se tudo isto não fosse bastante, The Departed é das melhores reuniões de actores dos últimos anos. Como se isto sim não o fosse, todos eles se encontram numa forma simplesmente deliciosa. Leonardo Di Caprio é, finalmente, um actor. Seguro, intenso e expressivo. Já não é a criança de Titanic, não perdeu o talento de Apanha-me se puderes e está mais maduro do que em Aviador. Este é um nome para seguir de perto na próxima década. Matt Damon é e será sempre Matt Damon. Nunca muito inovador, sempre competente, sempre capaz, naquele jeito de falso tímido. Eficaz como se deseja.

Para além destes, há Martin Sheen, Mark Wahlberg e Alec Baldwin, todos suportes de grande qualidade e manifesta experiência que mais do que servir de suporte aos outros actores, enriquecem positivamente o filme. E há Jack Nicholson. Começa a tornar-se complicado adjectivá-lo. Torna-se cada vez mais difícil fazer uma selecção dos filmes em que está magistral. Revelando-se cada vez mais como genial actor secundário, este é provavelmente o único actor que consegue impor irreverência e uma qualidade para além do descritível em praticamente todos os filmes que protagoniza. Das comédias românticas (Melhor é impossível) ao drama (Voando sobre um ninho de cucos), da melancolia (About Schmidt) ao universo Kubrick (Shining).

Sem o tédio em que por vezes caíam Gangs de Nova Iorque e O Aviador, The Departed é o melhor filme de Scorsese desde Tudo Bons Rapazes. Directamente para a galeria de clássicos do género. Provavelmente, directo também para os candidatos aos Oscars. Como merece Scorsese. Na retina, o plano final, a ironia mordaz, a provar que este filme é mesmo seu.

Título: The Departed (Entre inimigos)
Realização: Martin Scorsese
Elenco: Leonardo Di Caprio, Matt Damon, Jack Nicholson, Vera Farmiga, Martin Sheen, Alec Baldwin e Mark Wahlberg.
E.U.A., 2006.

Nota: 8/10

4 Comments:

Blogger B. said...

Sabiam que os criadores de internal affairs, são fanáticos pelo Scorsese? Basicamente os filmes deles servem para homenagear o Scorsese e a sua obra, e o Scorsese, num misto de agradecimento e ego, fez um remake de um dos seus filmes. E saiu bem melhor, está realmente fantástico. Acho que em termos de papeis, o mais surpreendente é o Mark Wahlberg, está fantástico naquela personagem. O jack nunca desilude, o Alec desde que deixou a pirosada e se dedicou ao traço cómico, está cada vez melhor. E guardo para o fim o melhor papel do filme, Di Caprio, está realmente incrível. Faço-lhe vénias, finalmente conquistou-me, o Scorsese bem avisou, ele acha que o Di Caprio vai ser o próximo Marlon Brando, e inatigível dentro de alguns anos, está finalmente nessa rota, chegará lá? Veremos...Começo a acreditar, mas o Edward Norton ainda não tem igual para mim. Quanto a óscares, não sei, hollywood não gosta de filmes tão de acção, no entanto, que interessa isso? Até agora, é do melhor que se viu este ano, digam o que disserem.

3:30 da tarde  
Blogger Gustavo Jesus said...

Concordo plenamente. Acima de tudo, na adoração a Edward Norton. Contudo, Di Caprio parece-me mais versátil. Ainda assim, na minha admiração cinéfila, Johnny Depp permanece ainda num plano ligeiramente superior.

3:35 da tarde  
Blogger B. said...

Escolho o Norton. O Johnny Depp é realmente fantástico, e a este nível, já não é uma questão de ser melhor ou pior, é mesmo uma questão de gosto ou estilo, e aí a minha escolha vai para o Norton, mas não por ser melhor, é mesmo um nível difícil de avaliar. Quanto a versatilidade, acho que algumas vezes conta pouco, há actores que demonstraram na sua carreira pouca versatilidade e que são fantásticos, como o génio Nicholson, que, para mim, não tem um espectro muito grande de personagens, acho por exemplo o papel dele no Shining parecido com o About Schmidt, só que caricaturado...
Façam uma crítica ao Alice, que saiu agora em dvd, e merece toda a atenção, está pré nomeado para óscar de melhor filme estrangeiro, e é do melhor que o cinema português tem, desde César Monteiro e Manoel de Oliveira. Obrigado Marco Martins. (uma vénia ou outra pelo caminho...)

3:44 da tarde  
Blogger Gustavo Jesus said...

Sim, de facto torna-se quase uma questão de gosto pessoal, porque a qualidade dos 3 está fora de questão. Com, e trazendo mais um nome à conversa, Ewan McGregor, compõem os 4 actores mais talentosos e com mais perspectivas, dada as suas escolhas de trabalho, para se tornarem referências incontornáveis.

Percebo a questão da versatilidade. Nicholson parece nunca conseguir fugir a uma aura de irreverência pouco ortodoxa, seja qual for o registo, é verdade.

Alice é um óptima sugestão. Com certeza, faremos isso. Junto à sua vénia, uma vénia a Nuno Lopes, um dos rostos do futuro da representação nacional.

6:47 da tarde  

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