sexta-feira, dezembro 15, 2006

Ligação Directa

“Quando uma rádio como a RFM se queixa que passaria mais música portuguesa se ela tivesse qualidade e depois não passa nem a mim nem a outros, fico um bocado perplexo, no mínimo. No mínimo.”
Sérgio Godinho em Blitz

Sérgio Godinho já tinha provado que é perfeitamente capaz de se recriar. De baralhar e voltar a dar. Foi o que fez com O Irmão do Meio de 2003. Aí, com ajuda dos amigos, propunha novas abordagens para alguns dos grandes clássicos da sua carreira. Agora, com Ligação Directa, propõe nova abordagem à carreira de sempre. Com músicas novas.

Álbum de originais seguinte a Lupa, de 2000, Ligação Directa não surpreende ninguém. Vamos então tentar perceber se isto é bom ou mau. Sem arriscar, Sérgio Godinho faz o que já se esperava, mais um bom disco. O problema é que com ele é que isso não é novidade. Fica mais um bom registo para a sua já grande, quantitativa e qualitativamente, discografia. Perde-se uma oportunidade de algo realmente original.

Não é fácil criar algo de drasticamente novo quando se está quase a fazer 40 anos de carreira. Mas de Sérgio Godinho espera-se tudo. Contudo, a questão aqui pode também ser, para quê algo de novo, se o que temos é bom? Confere. Ligação Directa não espanta ninguém, mas também não desaponta. Quem dera poder dizer isto de mais músicos.

Ligação Directa abre em doze dupla sobre tema repisado mas, aparentemente, sempre bem-vindo. “A Deusa do Amor” e “Ás vezes o Amor” são boa abertura, com a segunda em claro destaque, single descarado e chapa três. Despachado que está o tema do Amor neste empacotamento duplo, seguimos com “Marcha Centopeia” que, musicalmente, mostra o melhor de Godinho. Como em “O Carteiro”, por exemplo, a recriação de sons populares com ritmo de fundo a pedir um pé a marcar ritmo é a sua especialidade.

“Não há duas como ela” faz lembrar o Palma de “Tempo dos Assassinos” e “O Velho Samurai” é o Sérgio Godinho de antigamente. Para o bem e para o mal. Mas mais para o bem, convenhamos. Muito mais para o bem é “O Rei do Zum-Zum”, uma das melhores, senão mesmo a melhor, música do álbum. Sátira social e harmonia melódica com o jogo de palavras que só mesmo Godinho consegue, numa daquelas letras que se tornam paradigma da boa escrita musical portuguesa. Ligação directa para a galeria dos obrigatórios.

Bem agradável é também “No Circo Monteiro nunca chove” à qual se segue “O Às da Negação”, com forte peso de uma melódica e quase militar bateria. “O Big-One da Verdade” é a única música que não é de sua autoria, pertencendo a Hélder Gonçalves. Para terminar, em competição directa com “O Rei do Zum-Zum”, “Só neste País”, música a fazer lembrar “Que força é essa?“. Coros ciciados em tom de boato popular são alguns dos bons pormenores que ajudam a compor mais uma boa música deste bom álbum.

Bom é mesmo o pior que se pode dizer de Ligação Directa. Mas se calhar arriscar mais talvez desse em algo muito bom. Talvez não. Deixemo-nos, por enquanto, levar por este pragmatismo. Não deslumbra, mas agrada.
Título: Ligação Directa
Autor: Sérgio Godinho
Nota: 7/10