domingo, dezembro 03, 2006

The Queen


"Uneasy lies the head that wears a crown." W. Shakespeare em Henry IV

The Queen
- A Rainha

Seria impossível deixar passar ao lado este filme. Quando ouvi rumores acerca de uma eventual película que tinha por base a figura da mulher viva mais poderosa do Reino Unido, pensei imediatamente em Helen Mirren. Na verdade, e apesar de encontrarmos neste filme muito mais do que uma interpretação, Helen Mirren está absolutamente genial no papel the S. A. R. a Rainha Elizabeth II. Provavelmente com a melhor interpretação de uma figura viva de que há memória, The Queen é um filme fabuloso, cheio de realces que correm um risco verdadeiramente compensador.

Stephen Frears realiza a obra, depois de nos ter apresentado alguns bons trabalhos, como Mrs Henderson Presents e o imortal Mary Reilly. Agora mostra-nos o que de melhor consegue fazer, aliado ao argumento muito bem definido de Peter Morgan e a uma fotografia exemplar (que nos oferece contrastes ao longo da narrativa). Frears consegue separar a ficção da realidade do mesmo modo tão ligeiro e subtil com que consegue uni-las. E é deste modo que o filme se desenrola, remexendo em assuntos passados para fazer cócegas no presente. Sem pretensiosismos.

Tudo começa com a célebre eleição de um Primeiro-Ministro Trabalhista, ao fim de muitos anos de governo Tory. Este Primeiro-Ministro é, sem sombra de dúvida, a figura anedótica de Tony Blair (que Michael Sheen leva bastante em conta). A relação entre Downing Street, 10 e Buckingham Palace parece fria e demasiado cordial para Blair, no entanto, Tony tem a secreta aspiração de acalentar os corações, aparentemente gelados, da Corte e Família Real britânicas.

Agosto, 1997. Sucede-se, então, o desenrolar mítico em Paris: a princesa Diana morre depois de um aparatoso e misteriosamente enevoado acidente de viação. As notícias têm um impacto muito peculiar em Balmoral, a casa de férias da Família Real na Escócia... Aqui assistimos a interpretações maravilhosas, que praticamente preenchem a secreta fantasia de todos os súbditos: a intimidade dos seus monarcas. James Cromwell pega no duque de Edimburgo (o príncipe-consorte Philip) e demarca-o exactamente como o vemos, juntando-lhe, claro, umas boas manhãs de caça com os netos Will e Harry. A rainha-mãe é aquela figura muito conscienciosa, cheia de um peculiar sentido de humor. Sentido de humor esse que é, aliás, partilhado por todos os membros da Família Real.

Helen Mirren interpreta, então, a rainha Elizabeth II na semana que, supostamente, teve um grande impacto na sua imagem e na imagem da instituição que ela tão sábia e sobriamente defendeu ao longo de muitos anos de reinado: a Monarquia. Para os seus súbditos, a falta de uma demonstração de dor, de pesar, de lamento era vista como um ultraje. Para Elizabeth, sempre educada para não mostrar o que sentia, era apenas o cumprimento do dever divino: a Coroa... e, para tal, pôs à frente de quaisquer que fossem os seus sentimentos o dever de reinar. Tony Blair e S. A. R. Elizabeth II mostram-nos diálogos deliciosos, em que Mirren está quase mais majestática do que a verdadeira rainha.

Num enredo apoiado em factos verídicos, mas com uma dose razoável de imaginação, Frears desenvolve a semana que sucedeu o trágico acidente, apoiando-se em momentos históricos do Reino Unido e da sua Família Real. E, apesar de tocar em muitas feridas ainda abertas no coração do povo britânico, este filme não pretende ser uma ofensa ao mostrar outras facetas da rainha: a de mãe, a de avó, a de filha, a de esposa. Acaba por ser uma homenagem, um filme borderline no sentido em que depoleta aquilo que não tem intenções de esconder, isto é, assistimos a uma obra espontaneamente brilhante que humaniza uma figura tão injustamente castigada pelos media. Todos sabem, embora não o reconheçam, que esta rainha foi mais do que estandartes e protocolos, mais do que uma peça decorativa no governo do Reino Unido: aprendeu a crescer, a reinar, a aconselhar. Não é, de um modo mais supérfluo, o que todos fazemos?

Ainda que este filme conte com a imponente interpretação de Mirren (se Deus a ouvir, há-de ganhar o Óscar), é muito mais do que isso. É um excelente prisma para ver a Família Real e a sua figura central, é um maravilhoso filme (que conta também com uma banda sonora majestática), tem um enredo que mexe numa história que todos conhecemos muitíssimo bem, sem deixar de ser empolgante.

Verdadeiramente um filme britânico e, sobretudo, um filme de altíssima qualidade. Sob o peso da Coroa. Sobre a leveza das aparências.


Título/Ano: The Queen (2006)

Realizado por: Stephen Frears

Escrito por: Peter Morgan

Elenco: Helen Mirren, Michael Sheen, James Cromwell, Sylvia Syms, Alex Jennings, Helen McCrory.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Sobre a leveza das aparências.". Extraordinária apreciação...este blog é já de leitura obrigatória.

4:41 da tarde  

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